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  Serendipidade — acaso feliz
As histórias de descobertas científicas estão repletas de coincidências felizes. É verdade que a serendipidade e a sorte são frequentemente citados como fatores-chave na inovação científica. Mas olhe mais de perto. Mesmo quando os cientistas acham que apenas tiveram sorte — como Newton ser atingido na cabeça com a proverbial maçã — os passos que levam a uma nova descoberta ou ideia muitas vezes contam uma história diferente. É preciso mais do que estar no lugar certo na hora certa, para fazer uma descoberta acidental. Estes são alguns atributos importantes dos cientistas que transformaram um golpe de sorte num avanço:

    O celacanto avistado por Mark Erdmann e a sua esposa quando caminhavam num mercado de peixe em Sulawesi

    Mark Erdmann e a sua esposa ficaram surpreendidos ao ver um celacanto quando caminhavam num mercado de peixe em Sulawesi.
     
  • Conhecimento de base
    Não é um mito que os cientistas passam muito tempo a estudar. É preciso uma mente bem preparada para reconhecer um avanço. Muitas descobertas "fortuitas" acontecem só porque o descobridor tinha o conhecimento de fundo especializado necessário. Por exemplo, uma segunda população de celacantos vivos (um tipo raro de peixe que se assemelha a fósseis de há 400 milhões de anos atrás) foi descoberto em 1997, quando um avistamento ocasional foi feito por um estudante de biologia marinha. O estudante de pós-graduação, Mark Erdmann, estava a passear num mercado de peixe da Indonésia, com a sua esposa, Arnaz Erdmann Mehta, na sua lua-de-mel, quando ela apontou um peixe de aparência estranha. Ele imediatamente reconheceu-o como sendo um celacanto — e também percebeu que era uma descoberta científica potencialmente importante. Erdmann "teve sorte", mas a sorte foi certamente ajudada pelo olhar perspicaz da sua mulher e pela sua formação em biologia marinha.

    Um raio-X da mão da esposa de Wilhelm Roentgen

    Um raio-X da mão da esposa de Wilhelm Roentgen. Objetos que não podem ser penetrados por raios X aparecem como preto sólido.
     

  • Uma mente curiosa
    Resultados surpreendentes ou anómalos, por vezes, estimulam novas descobertas, mas é preciso uma perspetiva científica para olhar para além de uma anomalia e vê-la como algo que vale a pena estudar. A descoberta por Wilhelm Roentgen em 1895 do raio-X começou com uma observação casual, mas para explicá-la foi necessário um estudo cuidadoso. Trabalhando sozinho no laboratório, Roentgen estava a tentar fazer passar eletrões através do ar, quando percebeu que, com uma carga alta, o seu tubo de vácuo fazia iluminar um ecrã do outro lado do laboratório. Ele não foi o primeiro a ver esses efeitos estranhos — pelo menos dois outros investigadores já o tinham notado, mas não tinham tentado ir mais longe. Roentgen, no entanto, pensou que valia a pena estudar o efeito. Ele documentou cuidadosamente muitos aspetos diferentes dos novos raios e, de seguida, publicou seu trabalho de forma a incentivar mais investigação sobre o tema. A observação inicial de Roentgen foi certamente acidental, mas foi a sua subsequente investigação da anomalia que a transformou numa descoberta revolucionária.

  • Pensamento criativo
    Às vezes, a serendipidade não vem de se ser o primeiro a ver alguma coisa, mas de ser o primeiro a vê-la de uma maneira nova. Enquanto trabalhava para a empresa Raytheon, Percy Spencer notou que micro-ondas emitidas pelo aparelho de radar com que estava a trabalhar tinham derretido o chocolate que estava no seu bolso. Ele não era a primeira pessoa a perceber que as micro-ondas geram calor, mas ele foi a primeira pessoa a pensar em usar o calor para cozinhar alimentos. Ele recebeu uma patente para a sua ideia em 1950, e a Raytheon desenvolveu a ideia para uso comercial e industrial. A primeira coisa que Spencer e os seus colegas cozinharam com micro-ondas foi pipocas — e isso aparece na ilustração da sua patente!1 O pensamento criativo de Spencer transformou uma observação de rotina num avanço tecnológico.

    A ilustração do dispositivo de micro-ondas de Percy Spencer na documentação da sua patente.

    A ilustração do dispositivo de micro-ondas de Percy Spencer na documentação da sua patente.

    Arno Penzias e Robert Wilson

    O radiotelescópio supersensível usado por Penzias e Wilson, que detetou resquícios do calor do Big Bang.
     

  • As ferramentas certas
    Novas tecnologias muitas vezes permitem estudar as coisas de maneiras que não eram possíveis anteriormente. Os primeiros investigadores a tirar proveito de uma nova tecnologia muitas vezes têm a "sorte" de fazer novas descobertas emocionantes. Uma dessas descobertas ocorreu em 1960 quando uma antena sensível, desenvolvida para se comunicar com satélites, tornou-se disponível para utilização em pesquisa. Arno Penzias e Robert Wilson decidiram usar a antena como um radiotelescópio para estudar os baixos níveis de ondas de rádio no espaço. Eles sabiam que muitos corpos celestes — de estrelas às galáxias - emitem radiação que corresponde às suas temperaturas, mas decidiram tentar ver se havia ondas a emanar de lugares onde não havia estrelas. Penzias e Wilson não esperavam encontrar muita coisa, mas para sua surpresa, o telescópio encontrou ondas de rádio em grandes quantidades! Estas ondas correspondiam a temperaturas tais que indicavam que o espaço era cerca de quatro graus mais elevados do que se pensava antes. Os físicos teóricos depois reconheceram isso como sendo resquícios de calor do próprio Big Bang — uma descoberta que pode certamente ser atribuída a Penzias e Wilson, mas também à nova tecnologia que eles tinham à sua disposição.

  • O momento certo
    Descobertas importantes são muitas vezes feitas simultaneamente por diferentes pessoas, o que sugere que o campo está maduro para uma nova ideia. É possível que as peças necessárias para uma nova teoria estejam disponíveis em diferentes publicações científicas, apenas esperando que alguém as junte. Ou talvez que novas observações pareçam apontar de forma independente em direção a um princípio unificador. A teoria da evolução pela seleção natural pode ter sido uma dessas ideias. Embora as notas de Charles Darwin sobre a evolução remontem ao final da década de 1830, Alfred Russell Wallace desenvolveu algumas das mesmas ideias-chave de forma independente. Ambos basearam-se em avanços, relativamente recentes na época, em geologia e economia, aplicando as ideias de outras áreas para desenvolver uma nova teoria. No fim, eles concordaram em dividir o crédito da ideia e apresentaram trabalhos em conjunto sobre a evolução à Royal Society de Londres. Darwin e Wallace foram, certamente, grandes pensadores, mas o momento certo também pode ter contribuído para o seu avanço conceptual.

Geologia? Economia? O que têm esses temas a ver com a evolução? Para saber mais, leia sobre o desenvolvimento da teoria da evolução no site Understanding Evolution (em inglês).

Ambos os lados da medalha Darwin-Wallace atribuída a Alfred Russel Wallace na reunião de 1908 da Linnean Society de Londres. O prémio foi atribuído no 50º aniversário da apresentação conjunta que Darwin e Wallace fizeram para a Royal Society de Londres.

Ambos os lados da medalha Darwin-Wallace atribuída a Alfred Russel Wallace na reunião de 1908 da Linnean Society de Londres. O prémio foi atribuído no 50º aniversário da apresentação conjunta que Darwin e Wallace fizeram para a Royal Society de Londres.

E o que dizer que da famosa maçã? Ao contrário do que se costuma dizer, ela não atingiu Isaac Newton na cabeça. No entanto, há alguma evidência de que maçãs a cair o inspiraram a pensar sobre as forças que atraem tudo — as frutas, os nossos pés, a Lua — em direção à Terra. Pelo menos três pessoas diferentes que conheceram Newton relembraram nas suas memórias histórias sobre maçãs a cair. De acordo com essas histórias, Newton dizia que tinha sido ao estar sentado no jardim de sua mãe, assistindo a maçãs caírem das árvores, que ele tinha começado a pensar sobre a gravidade. No entanto, ele só publicou a sua teoria anos depois destes pensamentos no jardim, e pelas notas e documentos que Newton deixou sabemos que as suas descobertas resultaram de muito trabalho duro — mesmo que ele tenha tido sorte com a maçã.

resumo
A serendipidade, ou seja, um acaso feliz, por vezes desempenha um papel em avanços científicos, mas muitos outros fatores — como ter os conhecimentos chave ou as ferramentas certas — também são importantes.

veja também
Está interessado em mais histórias de ciência serendipitosa? Visite a séria da NOVA sobre Descobertas Acidentais (em inglês).



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1US Patent # 2,495,429; Brown, D.E. 2001. Inventing in Modern America: From the microwave to the mouse. MIT Press.

Foto de celacante © Mark Erdmann; foto da mão da esposa de Roentgen da Wikimedia Commons; ilustração de micro-ondas do U.S. Patent Office; foto do recetor de micro-ondas da NASA; medalha Darwin-Wallace da Wikimedia Commons


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