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Como muitas profissões, a ciência está cheia de aparentes contradições: a investigação muitas vezes parece difícil e fastidiosa, e mesmo assim os cientistas dizem que é divertida; o objetivo da ciência é a expansão do nosso conhecimento, mas os cientistas são céticos em relação a novas ideias. Como conseguem os cientistas conciliar estas tensões? Aqui, vamos explorar alguns dos equilíbrios delicados que existem na ciência.
Ceticismo vs. abertura a novas ideias
Por um lado, a ciência é cautelosa. O conjunto atual de hipóteses de trabalho é o melhor que temos até agora. As hipóteses têm sido amplamente testadas e correspondem bem a muita da evidência disponível. Porque as ideias atualmente aceites são tão úteis e bem apoiadas, os cientistas tendem a ser céticos quando novas ideias são apresentadas, e esperam ter evidência substancial em favor de novas explicações antes de as aceitar. Por outro lado, a ciência é aberta à mudança. Embora possa precisar de tempo e de extensa evidência de apoio, uma nova teoria ou hipótese acabará por ganhar aceitação se for realmente melhor do que qualquer outra na geração de expetativas precisas, fornecendo explicações, e levando a novas questões e ideias.
Esta tensão entre o ceticismo e a abertura muitas vezes caracteriza as grandes mudanças no pensamento científico. Por exemplo, a teoria da tectónica de placas (o enquadramento atualmente aceite para a compreensão das forças geológicas que atuam na terra) enfrentou uma longa luta pela aceitação. Quando a primeira evidência para a teoria foi apresentada em 1912, a maioria dos cientistas reagiu ceticamente. As teorias que eles já tinham ajudavam a explicar como as montanhas se formavam, e podiam ser usadas para fazer coisas práticas, como encontrar petróleo. Mas a evidência a apoiar a existência de placas tectónicas foi-se acumulando, desde formações rochosas em diferentes continentes que se combinam como peças de um quebra-cabeça, até depósitos de glaciares encontrados nos trópicos. Na década de 1960, os cientistas reconheceram que a nova teoria conseguia explicar muitas coisas que a antiga não podia - e o ceticismo deu lugar à aceitação. Embora tenha levado meio século, este impasse foi finalmente resolvido em favor da mudança, depois de ter ficado claro onde estava o peso da evidência.
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A observação de que os continentes foram moldados como se no passado estivessem estado encaixados uns nos outros foi uma evidência precoce da existência de placas tectónicas. |
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Camadas rochosas e características geológicas que correspondem umas às outras, mas que se encontram em continentes atualmente afastados, forneceram evidência mais substancial. |
Igualdade de ideias vs. avaliação objetiva
A ciência não trata todas as ideias por igual. Na ciência, as ideias potencialmente importantes são suscetíveis de atrair mais investigação e ideias com mais evidência por detrás são mais propensas a serem aceites. No entanto, os cientistas tentam ser objetivos na avaliação de ideias. Um processo objetivo de tomada de decisão envolve considerar a evidência, sem permitir que crenças pessoais influenciem a sua interpretação. Um cientista tenta julgar uma ideia baseando-se em evidência a favor e contra a ideia independentemente de quanto gosta dessa ideia, de quanto tem a ganhar com isso, e de quão popular a ideia é entre outros cientistas.
A ênfase na objetividade sobre a igualdade de ideias é evidente em quase todos os mistérios científicos. Por exemplo, ao longo dos últimos 50 anos os cientistas consideraram uma multiplicidade de cenários para explicar a extinção dos dinossauros há 65 milhões de anos. Algumas delas podem parecer exageradas (alergias a novas espécies de plantas com flores), algumas apelativas (competição de mamíferos), e algumas complexas (vulcanismo e o impacto de um asteroide que alteram a atmosfera, bloqueando a luz solar, e provocando mudanças ecológicas graves). Apesar de todas essas ideias terem sido consideradas como possíveis explicações, em última análise, não foram vistas como sendo iguais pelos cientistas. A avaliação objetiva da evidência apoiou algumas hipóteses em detrimento das outras. Por exemplo, a observação em todo o mundo de uma camada de sedimentos ricos em irídio, um elemento comum em asteroides, datando do tempo em que se deu a extinção dos dinossauros, é evidência de um impacto. Como os cientistas queriam testar exaustivamente a ideia de um impacto de um asteroide e aprender ainda mais sobre como isso poderia ter resultado numa extinção em massa, esta ideia foi mais investigada do que outras explicações alternativas.
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A camada de cor clara rica em irídio (indicada pela moeda no centro), localizada na fronteira Cretáceo-Terciário, é evidência do possível impacto de um asteroide. |
Lógica vs. creatividade
Embora a lógica e a criatividade sejam muitas vezes vistas como contraditórias, a ciência baseia-se em ambos os modos de pensamento. Os cientistas eficazes pensam analiticamente sobre como investigar e avaliar as suas ideias, mas também pensam de forma criativa para chegar a novas ideias e novos testes. A lógica é essencial para descartar hipóteses que não funcionam, e a criatividade é necessária para pensar em novas maneiras de explicar a evidência.
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A estudante de doutoramento Jocelyn Bell Burnell em meados da década de 1960, com uma parte do radiotelescópio de 4,5 acres que usou na sua descoberta dos pulsares.
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A lógica e a criatividade frequentemente alimentam-se uma à outra em descobertas científicas, como na descoberta de pulsares. Quando era estudante de pós-graduação, a astrónoma Jocelyn Bell estudou dados de um novo radiotelescópio e notou padrões repetidos incomuns em ondas de rádio provindas das estrelas. A existência dos padrões exigiu uma explicação criativa. Eram interferência da Terra? Não, eles moviam-se pelo céu da mesma forma que as estrelas, portanto a lógica descartou essa possibilidade. Os pulsos regulares seriam talvez sinais enviados por uma civilização alienígena? Bell argumentou que, se os pulsos eram de alienígenas, eles tinham que vir de um único ponto mas podia observá-los a emanar de quatro lugares diferentes, distantes no espaço! Os sinais não poderiam provir de uma única civilização alienígena. Bell e os seus supervisores propuseram então a teoria mais criativa de todas - mas que era apoiada pela lógica: os pulsos vinham de estrelas mortas que emitem fortes pulsos de radiação enquanto rodam.
Divertimento vs. trabalho duro
Muito do dia a dia do trabalho científico é divertido quer se trate de percorrer uma região selvagem para observar o comportamento animal, ou agitar uma solução química com propriedades desconhecidas. Esta excitação ajuda a manter os cientistas motivados. Ao mesmo tempo, se uma experiência requer misturar 100 (ou mesmo 1000) dessas soluções, qualquer um ficaria um pouco entediado antes de estar tudo feito. A maioria dos estudos científicos exige dedicação mas também proporciona diversão. O equilíbrio desta dupla personalidade mantém os cientistas a trabalhar e a ciência a avançar.
Jane Goodall a tirar apontamentos sobre o comportamento de chimpazés.
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O trabalho de campo revela tanto a diversão como os aspetos menos divertidos da investigação científica. Por exemplo, quando Jane Goodall começou a sua pesquisa sobre chimpanzés na Tanzânia, ela passou anos a acordar antes do amanhecer para seguir os chimpanzés por colinas íngremes e através de matagais espinhosos, observando os animais durante todo o dia. Embora o trabalho fosse muitas vezes difícil e monótono, ela não desistiu por causa da excitação do que poderia ver e a sua curiosidade e atitude tenaz valeu a pena. Ela foi a primeira a observar os chimpanzés usando ferramentas um comportamento que antes se pensava ser exclusivo dos seres humanos.
Mantendo o equilíbrio
Estes equilíbrios mantêm a ciência a avançar. Os cientistas devem estar dispostos a considerar novas ideias, mas precisam de ceticismo para eliminar as explicações menos úteis. Os cientistas devem ser criativos para chegar a novas explicações, interpretações e formas de testar as suas ideias, mas, ao mesmo tempo, eles devem ser capazes de analisar logicamente as implicações de uma ideia, a evidência em apoio de uma ideia, e o modo como um teste é feito. E, às vezes, a ciência requer um trabalho aborrecido e extenuante, mas muitas vezes este trabalho também gera entusiasmo e curiosidade. Estas tensões não fazem a prática da ciência diferente de outras profissões. Muitos empreendimentos humanos envolvem atos de equilíbrio semelhantes. No entanto, alguns equívocos comuns sobre a ciência (que a ciência deve tratar todas as novas ideias da mesma forma, que a ciência não envolve a criatividade, que a ciência é chata) giram em torno destas tensões. Tais equívocos ignoram metade da realidade e os delicados equilíbrios que são uma das maiores forças da ciência.
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